segunda-feira, 30 de março de 2009

Intervenções_Nativo Digital vs Emigrante Digital

Fórum A1 -> Trabalho Final- Grupo Verde -> Re: Trabalho Final- Grupo Verde por Pedro Coelho do Amaral - Sexta, 20 Março 2009, 08:27

Caros colegas e professoras,
Ao desenvolver o perfil do estudante digital, os diferentes grupos plasmaram nas suas apresentações as ideias do autor Mark Prensky.
Essas ideias, originais na forma e no conteúdo, nomeadamente na própria abordagem dos conceitos de nativo digital e imigrante digital ou na análise cuidada da ruptura e descontinuidade entre gerações, padecem no entanto de um problema que normalmente ocorre quando se tenta discutir realidades complexas através de uma visão dicotómica.
A realidade mostra-me, e contacto diariamente com alunos dos 16 aos 18, que não existe de forma tão expressiva, pelos menos à luz da realidade portuguesa, um estudante digital na verdadeira acepção do conceito por detrás das reflexões do autor. Nem tão-pouco uma homogeneidade geracional que permita afirmar que os nossos estudantes partilham um perfil identitário comum e que isso implique que as suas práticas educativas sejam radicalmente diferentes relativamente a gerações anteriores. Existem sim, diferenças de natureza económica, cultural e social que impedem esse isomorfismo cultural, inclusive questões básicas relacionadas com o acesso aos equipamentos informáticos ou à internet. Aliás, paradoxalmente, como docente do ensino artístico especializado, deparo-me frequentemente com fenómenos de contra-cultura, de fuga consciente a uma abordagem digital dos projectos artísticos e à necessidade de um reencontro com o carácter analógico da arte por parte dos alunos.
Por isso, considero que o excessivo optimismo do autor, a sua fervorosa crença nas capacidades globalizantes da tecnologia como elemento chave do processo educativo influenciaram de sobremaneira o perfil idealizado pela maioria dos grupos. Porventura, os perfis traçados centraram-se demasiadamente nas competências tecnológicas dos alunos e negligenciaram uma abordagem aos valores e atitudes do aluno face à aprendizagem ou às capacidades cognitivas a desenvolver pelo estudante digital. Essa abordagem resultou numa definição de perfil de estudante digital de certa forma acrítica, e tal como a professora referiu, demasiado centrado nos seus “critérios e apenas nos seus interesses”.
Respondendo de uma forma directa à 1ª questão colocada pela professora, entendo que a aprendizagem não se pode centrar simplesmente nos critérios e interesses dos alunos sobre o risco de comprometermos o próprio futuro desse mesmo aluno e da educação como instrumento de aprendizagem contínua e ferramenta de valorização pessoal.
Ao longo de décadas a escola tem sido, justamente, acusada de centrar o ensino nos interesses dos professores e num processo de ensino-aprendizagem baseado na acumulação de saberes e posterior validação através de exames. A visão que nos é apresentada por estes perfis leva-nos na direcção exactamente oposta, isto é numa visão da aprendizagem concentrada única e exclusivamente nos interesses particulares do aluno e nos seus processos de aprendizagem claramente autodidácticos. Essa visão é na minha opinião errada, redutora e contrária ao espírito da aprendizagem como espaço de conhecimento e partilha. Qual seria o papel dos professores e educadores perante a necessidade de subordinação aos ditames particulares dos interesses específicos de cada aluno? Seria, provavelmente reduzido, de mera orientação, uma espécie de manual de instruções, de fácil consulta e leitura rápida. Um professor ou um educador é muito mais que isso, é um construtor de consciência, uma fonte de inspiração.
O processo ensino-aprendizagem deverá portanto jogar-se numa dialéctica, numa partilha entre o que é necessário e suposto ensinar e os reais interesses dos alunos, adaptando, mas nunca cedendo perante visões empobrecedoras da infinita riqueza do acto de aprender.
Relativamente à resposta à 2ª questão, e porque o texto já vai longo, reflectirei no próximo comentário.
Até breve.
Pedro Coelho do Amaral
Fórum A1 -> Trabalho Final- Grupo Verde -> Re: Trabalho Final- Grupo Verde
por
Pedro Coelho do Amaral - Segunda, 23 Março 2009, 08:08
Estará o novo estudante digital mais preparado para o futuro do que o imigrante digital?"
No seguimento do que declarei na minha anterior intervenção, reafirmo que um ensino centrado nos critérios dos alunos e apenas nos seus interesses resultaria numa aprendizagem amputada das diferentes dimensões do processo ensino-aprendizagem.
Porém, afastando-nos desse perfil de competências tecnológicas e respondendo directamente à 2ª questão, é obvio que um aluno que possui as competências em tecnologias da informação e comunicação estará à partida melhor preparado para enfrentar os desafios do futuro, numa sociedade que assenta os seus princípios em critérios de maior exigência tecnológica, de integração multidisciplinar de saberes e autonomia no desenvolvimento de trabalho projectual. Da mesma forma, é perfeitamente possível afirmar que um estudante que adquira sólidos conhecimentos de língua inglesa ou que invista na sua carreira de estudante certamente obterá mais valias que lhe serão úteis enquanto futuro profissional. Penso também que uma das questões fundamentais a considerar, e daí pensar que esta divisão hermética adquire contornos redutores, é que a aprendizagem deve ser pensada como um projecto de vida e ao longo da vida. Tão determinante, que chega a ser considerado, pela Unesco, no Relatório sobre Educação para o século XXI organizado por Jacques Delour, como um desígnio “Colocar a educação ao longo de toda a vida no coração da sociedade” (pag18).
Será certamente possível, mesmo para aqueles imigrantes que não tendo nascido na era digital, investir o seu tempo e os seus recursos cognitivos na aquisição das competências tecnológicas necessárias. Aliás, bastante mais preocupante é o facto de na mesma geração de jovens estudantes existirem novas situações de exclusão, pela impossibilidade de acesso aos recursos tecnológicos e à banda larga. Evitar que a escola não agrave desigualdades económicas e sociais deverá ser uma das principais preocupações dos governos ao implementarem planos tecnológicos na educação.
Nesse sentido, a questão não se deve centrar na tecnologia mas na pedagogia ou no desenvolvimento curricular associado a essas mesmas tecnologias, tendo como objectivo integrar os novos saberes e competências que os alunos adquirem em espaços de educação não-formal e transporta-los para o contexto da prática educativa na sala de aula.
A instituição escolar, mesmo com o advento da massificação, sempre se caracterizou por ser altamente elitista, tradicionalista, formatada para transmitir um conjunto de valores homogéneos para todos, indiferente às diferenças individuais ou culturais e por isso geradora de divisões, perpetuadora de desigualdades, inclusive sociais. Também costuma ser muito lenta a reagir e integrar os novos inputs da sociedade, baseando a distribuição do saber em conteúdos muitas das vezes obsoletos e mais direccionados para a sua acumulação do que para a sua aplicação em contextos práticos. As tecnologias da comunicação e informação poderão ser uma excelente ferramenta para, como afirma o sociólogo de educação Rui Canário no seu desconcertante livro A Escola tem futuro? - Das promessas às incertezas” conseguir “ligar a Escola à vida”.
Pedro Coelho do Amaral
Fundamentação da escolha das Intervenções
As razões que presidiram à escolha destas intervenções em detrimento de outras que considero igualmente válidas devem-se sobretudo ao facto de eu considerar que respondem de uma forma clara, objectiva e encadeada aos objectivos da discussão levada a cabo no respectivo fórum A1. Reflectem uma visão crítica muito pessoal sobre a obra do autor Mark Prensky e ao mesmo tempo tentam trazer para a discussão, de uma forma fundamentada, diferentes questões e desafios sobre a temática abordada, respondendo às duas questões colocadas. Comparando com sintese que a professora elaborou a partir discussão no forúm, penso que nestas duas intervenções estão vertidos muitos dos aspectos referidos.
Pedro Coelho do Amaral

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